30 mil quilômetros em prol da vida selvagem

Quase 100 parques e outras áreas protegidas foram percorridos durante pesquisa de pós-doutorado voltada a reduzir os atropelamentos de animais silvestres em todo o país

Mais de 2 milhões de animais de médio e grande porte morrem atropelados todos os anos em estradas, rodovias e ferrovias, inclusive dentro de áreas que protegem ambientes naturais. As BRs 262, 471, 226 e 155 estão entre as mais perigosas para a vida selvagem. É o que revela um levantamento inédito que percorreu quase 30 mil quilômetros, de norte a sul do país, para uma pesquisa de pós doutorado. Para comparação, a circunferência da Terra é pouco superior a 40 mil quilômetros.

Quando foi realizada?

Custeada com recursos próprios, sem bolsa de estudos ou qualquer patrocínio, a expedição levantou dados sobre os impactos de estradas, rodovias e ferrovias em quase uma centena de parques nacionais e outras Unidades de conservação federais, estaduais e municipais (lista abaixo). O trabalho é inédito e aconteceu entre Agosto de 2018 e Junho de 2019. Até então, os efeitos dos atropelamentos de fauna não haviam sido avaliados em tamanha quantidade de áreas protegidas no país.

Objetivo

“O objetivo foi realizar um diagnóstico nacional do efeito de rodovias e ferrovias nas Unidades de Conservação. Além de coletar dados sobre atropelamentos de fauna selvagem, avaliar medidas de mitigação e coletar amostras de tecido de animais afetados por atropelamentos, realizamos ações de educação ambiental e promovemos cursos e palestras”, explica o professor e pesquisador Alex Bager. Seu pós doutorado acontece junto à Universidade Federal de Minas Gerais.

Alguns números

O balanço mostra que 2.163.720 animais de médio e grande portes são atropelados a cada ano no país, incluindo dentro dos limites de áreas protegidas. Se forem somados os animais pequenos e as vítimas fora de Unidades de Conservação, o número salta para 450 milhões de mortes anuais de animais silvestres em nossas estradas, rodovias e ferrovias. As estimativas são do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas, da Universidade Federal de Lavras (MG).

Durante a pesquisa de campo, foram encontrados 529 animais de médio e grande porte, como tatus, tamanduás e capivaras. Desse total, 434 foram mamíferos (82%), 62 aves, 32 répteis e 1 anfíbio. A espécie mais afetada foi o cachorro-do-mato (210), seguido por tamanduá-mirim (43), tatus (40), tamanduá-bandeira (23) e capivara (23).

Os números de atropelamentos para o cachorro do mato (Cerdocyon thous) podem representar uma perda superior a 1 milhão de animais ao ano no Brasil. Trata-se da única espécie morta por atropelamentos em todos os tipos de estradas – de alto ou baixo fluxo, pavimentada ou não pavimentada.

Realizada com o aplicativo Urubu Mobile, que fotografa e georreferencia animais e paisagem no entorno, a coleta dos dados privilegiou o registro de animais de maior porte. Espécies ameaçadas de extinção foram registradas, como tamanduá-bandeira, anta, lobo-guará e cachorro-vinagre. Amostras de tecidos foram coletadas de carcaças em bom estado para estudos sobre como os atropelamentos afetam essas populações no curto e longo prazos.

No interior do Piauí, mais de cem pequenos sapos foram avistados durante uma caminhada de 300 metros em uma rodovia asfaltada. No mesmo estado, o pesquisador correu 5 quilômetros carregando um urubu-rei, encontrado à margem de uma estrada de terra, à beira da morte. A 300 quilômetros de lá, o animal foi reabilitado na Universidade Federal do Piauí e, um mês depois, voltou a bater asas pela Caatinga.

Áreas críticas

O esforço de um ano também permitiu a elaboração de mapas que revelam onde os animais selvagens são mais ou menos atropelados no país. Isso permitirá, por exemplo, a adoção de políticas e ações para melhorar a conservação da vida silvestre, dentro e fora de áreas protegidas. Das regiões mais preocupantes, merecem destaque as rodovias BR262, no Mato Grosso do Sul, a BR471, no extremo sul do Rio Grande do Sul, e o trecho entre Palmas (TO) e Paruapebas (PA) das BRs 226 e 155.

Além desses, a expedição identificou trechos ainda não reconhecidos como problemáticos para a vida selvagem, por exemplo na Região Norte. Todas as informações podem contribuir para direcionar pesquisas e políticas públicas para a redução dos atropelamentos de fauna, especialmente no interior e vizinhança de Unidades de Conservação. Resultados serão compartilhados com órgãos públicos, em nível municipal, estadual e federal.

Envolvimento com a sociedade

Durante a expedição, quase 800 pessoas participaram de minicursos sobre Monitoramento de Fauna Selvagem Atropelada e das palestras Infraestrutura Viária e Biodiversidade. Além disso, foram promovidas exposições com fotos e mapas, atividades de educação ambiental e divulgados diagnósticos sobre impactos de infraestrutura viária nas Unidades de Conservação.

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